19 de dez. de 2009

Os olhos da negra

Sentada na porta da sala da casa simples de sapê, a velha negra se mantinha ali olhando a plantação de milho que havia a sua frente.
O sol quente castigava a pele negra das outras pessoas que ali na lavoura trabalhavam. Seus olhos velhos choravam lágrimas já quase secas que desciam por sua face.
Seu povo ali, seus filhos ali; alguns. Outros separados logo depois do nascimento, como sofria.
A velha escrava já na fase final de sua vida colocava-se a pensar sobre tudo que já havia passado diante dos seus olhos. Tristezas, alegrias, frustrações, esperança...
-Oh Deus.
Ela pensava consigo quando acabaria, quando seria livre; de verdade.
Ali sentada na sala tinha em suas mãos a velha bengala que a ajudara por longos anos a se locomover pela simples casa e também no chão de terra batida do pequeno quintal. Vez ou outra quando tinham tempo para uma saída escondida rápida, um de seus filhos vinha vê-la. Ela ficava feliz, de verdade e até esquecia da vida de sofrimento.
Ali sozinha ela se lembrava do tempo em que ainda trabalhava forçada na densa lavoura. Ao final do dia se o trabalho não estivesse perfeitamente completo, era certeza de apanhar no tronco. Como doía, doía o corpo e doía o espírito. Mas o tempo passou e o que a mente mandava o corpo não mais obedecia. Perdeu seu valor, e como recompensa por seus anos de trabalho como escrava de lavoura e parideira da senzala recebera a humilde casa como benefício e ali vivia sozinha desde que a vida de seu velho companheiro fora levada pela picada de uma cobra venenosa.
As mãos agoras trêmulas seguravam a bengala enquanto os olhos mais uma vez se enchiam de lágrimas, a emoção que a lembrança de seu velho companheiro era forte demais. Que saudades ela sentia.
Ali sozinha, ela sentia ele perto, como quando se conheceram.
Num suspiro de alívio, suas mãos afrouxaram a bengala, seu corpo perdera todos os movimentos que restavam. 

E ao encontro do chão a bengala ía suavemente, enquanto seus olhos se fechavam.

 

Nenhum comentário: